sexta-feira, 3 de junho de 2011

O pesadelo de Ícaro


A primeira viagem de avião, ninguém esquece! Eu morava numa cidade muito pequena e acho que já dá pra imaginar como era o aeroporto! Pra que se tenha uma idéia, para o avião aterrissar, era preciso avisar a torre de comando para que mandasse alguém tocar as vacas do pasto, que era chamado de pista. E quando eu digo que tinha que avisar a torre, não era pelo rádio, não! O piloto passava em vôo rasante e o co-piloto gritava: “Tira as vacas”! A sala de espera do aeroporto era uma beleza! Tinha mesa de ping-pong, pebolim, sinuca e até um papagaio num poleiro.
Dá para sentir com que ânimo eu fiz minha primeira viagem de avião, né? Mas, forçado por uma situação de urgência e de extrema necessidade, eu tinha que ir! Coloquei tudo nas mãos do meu anjo de guarda, que imediatamente apresentou a sua carta de demissão aos seus superiores e fui.
Depois de algum tempo naquele ambiente, absolutamente animador, uma voz anunciou que devíamos nos dirigir ao portão de embarque (aliás, pelo som que saiu do alto falante, eu acho que era o papagaio que estava anunciando). Fiz uma prece, e como não sabia se existia um santo da aviação, fiz para Santos Dumont, mesmo!
A aeromoça esperava ao pé da escada de embarque. Aeromoça era a função que ela exercia, porque na realidade era uma aerovelha. Com certeza, tinha servido cafezinho no 14-Bis. A escada para subir no avião era de corda. O avião era um bi, mas não era bimotor, não! Era bi mesmo; tanto voava pra frente quanto pra trás! Dependia do lado que o vento soprava!
Quando eu coloquei o pé na escadinha de corda pra subir no possante, eu vi que uma das hélices estava quebrada e colada com esparadrapo e emplastos Sabiá! Eu estava quase desistindo quando o comandante, acho que percebendo minha hesitação, se aproximou e disse:
_ Não se preocupe! Essa hélice está assim desde a primeira Guerra Mundial e nunca deu problema. E além do mais eu sou capaz de pilotar esses dois aviões de uma vez só!
Dois aviões? Bem que eu percebi que a voz dele estava meio pastosa!
Entrei, bati com a cabeça no teto, dois morcegos saíram voando assustados e eu me sentei numa das poltronas. As poltronas, na realidade, eram alguns caixotes pregados no assoalho. Foi então que comandante, empunhando um megafone anunciou, com a mesma voz pastosa:
_ Senhores passageiros! Apertem os cintos, porque o jogo vai começar!
O cinto que ele mandou apertar eram dois pedaços de corda que eu amarrei em torno da cintura. O comandante deu a partida: nhem... nhem... nhem... nhem... nhem... nhem... Botou a cabeça pela cortina de tiras da plástico que separava a cabine de comando da ala dos passageiros e gritou:
_ Olha aí pessoal! Vou tentar mais uma vez; se não pegar, todo mundo descendo para empurrar!
Mas, graças a Deus, ele tentou mais uma vez e o motor pegou. As hélices começaram a girar e o avião começou a tremer. A aerovelha deu as instruções:
_ Pedimos, por favor, não fumarem até segunda ordem!
Fumar de que jeito? Duvido que alguém conseguisse acender um cigarro de tanto que o avião tremia!
Começamos a taxiar. O pessoal do aeroporto correu para tocar as vacas. O comandante soltou um pombo-correio com o seu comunicado para a torre e o avião começou a correr no pasto, aliás, na pista. Os motores roncaram... roncaram... roncaram tanto que pegaram no sono e o comandante teve que começar tudo de novo. Na segunda tentativa o avião subiu e, por incrível que pareça, estávamos voando; voando de lado, mas voando!
Desamarrei as cordinhas, ajeitei-me na poltrona e chamei a aerovelha pedindo um travesseiro. Ela perguntou:
_ Travesseiro pra quê? O caixote não tem encosto para o senhor poder dormir?
Eu expliquei que o travesseiro era para a minha bunda mesmo. Ela pediu desculpas por não ter um travesseiro e me ofereceu um cafezinho, que aceitei, agradecendo. Ela foi lá pra cauda do avião.
Daí a pouco começou uma fumaceira e eu me apavorei, gritando:
_ Fogo! Está pegando fogo no avião!
Um cara que estava sentado ao meu lado e já acostumado viajar naquela companhia aérea me sossegou:
_ Calma! Não está pegando fogo. É a aeromoça que está fazendo o café! A fumaceira é porque o fogão é a lenha e a chaminé vive entupida!
Depois de tossir por uns vinte minutos e com os olhos vermelhos, tomei o cafezinho. Quando eu já estava até me acostumando com a situação, o comandante tornou a colocar sua cara inchada pela cortina e gritou:
_ Olha aí pessoal! Segura firme, porque vamos entrar numa zona de turbulência!
Ele acabou de dar o aviso e o avião entrou em parafuso. O café que eu tinha tomado me saiu pelos ouvidos. Um padre, que estava sentado na minha frente, calmamente, começou a fazer uma oração que eu não conhecia, mais ou menos assim:
_ Ave nosso que estais cheio de graça. Bendita sois na sua vontade, assim na terra como na hora de nossa morte!
E quando ele dizia na hora da nossa morte; chorava!
De repente, eu olhei em direção cabine e o comandante estava saindo de lá! Aí eu me apavorei e gritei:
_ Numa situação dessa e o senhor abandona o comando?
E ele:
_Que comando, meu amigo? Quem está no comando é o vento. E eu estou que não agüento mais de vontade de fazer xixi!
Bem, só sei dizer que demorou um bocado pra gente sair daquela zona de turbulência e, com muito custo, conseguimos aterrissar no nosso destino. A aerovelha agradeceu a preferência de todos e abriu a porta. Foi o maior auê! Todo mundo querendo descer ao mesmo tempo. Eu fui o último a desembarcar, porque, antes, tive que trocar de roupa. Enquanto eu descia, o comandante, que estava ao pé da escada, falou:
_ Eu não disse que não tinha com que se preocupar, meu amigo?
Eu agradeci e me encaminhei para a saída do aeroporto. Dei uma olhadinha para trás e vi uns trinta anjos de guarda sentados na fuselagem do avião; suados e esgotados!

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