Eu tinha acabado de fechar o jornal, sentado à mesa de um café, quando um rapaz de blusão de couro, brincos nas orelhas (o plural de brinco estou usando para cada uma das orelhas) e um capacete de motoqueiro debaixo do braço parou à minha frente e perguntou:
_ Tio, o dono do baguiu ae disse que o senhor escreve nu jornal, firmeza?
Eu achei estranho e ia dizer que escrevo sim, mas não nu e sim vestido, porém apenas concordei e ele continuou:
_ Seguinte, eu sô motobói, certo mano? E quero defendê nossa crasse. A gente tamo cansado de todo mundo vivê esculachando a gente! A gente somos trabalhador, véi! Eu to aí na correria pra defendê o pão nosso de amanhã, certo?
Eu disse que o certo seria o pão nosso de cada dia, e ele:
_ Não, mano, é o pão de amanhã memo! O de hoje eu já nem comi, porque num deu tempo. A gente samos ijustiçado, mano! Tipo assim, o mesmo playboy que vive esculachando a gente por costurar no trânsuto, recrama se um mano chega com a pitiça fria!
Eu ia comentar alguma coisa, mas ele continuou:
_ Essa truta aí de dizê que a gente vive quebrano retrovisor, pô, mano, os cara tão sempre quemando faxa e a gente temo que passá! A faxa é nossa, véi! Si num quemá faxa, nem buziná nóis buzina!
Eu quis argumentar que ele estava com uma visão errada de lei de trânsito, mas desisti quando ele, continuando, disse:
_ Amarelo no farol é nosso, mano! E qué sabê, véi, muita vez a gente presta serviço de tulidade púbrica!
Eu me interessei por isso e pedi um exemplo.
_ Outro dia, o tiozinho da farmácia falô que eu tinha que levá um remédio orgente pra uma véinha que tava na pior, mano. 10 minuto e 5 retrovisor depois eu já tavo lá! Toquei a campainha uma pá de vez, como não veio ninguém e a porta tava aberta, entrei. A vózinha tava deitada num sofá e mal, véi! Num tinha ninguém cum ela. E fiz a véinha tomá o remédio e fiquei esperano. E nada dela melhorá. Aí me deu uma luiz: vô levá ela no postinho! O que fiz? Pus a vózinha na garupa da moto, amarrei ela no meu corpo e vuei. Em 5 minuto e 9 retrovisor depois a gente chegamo. Tudo bem que ela tava morta, mas chegamo!
Eu estava de boca aberta olhando pra ele sem saber o que dizer e nem precisei...
_ Mas tem um baguiu ae que num entendi: por que será que a vózinha morreu do coração se o remédio que eu tinha levado pra ela era pra asma?
Antes de colocar o capacete, o motoboy ainda disse:
_ Dá uma força pra nóis lá no seu jornal, mano. A gente tamo cansado de ser ijustiçado, firmeza?
Subiu na moto e arrancou, fazendo uma senhora que virava a esquina ter que brecar seu carro bruscamente.
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